Ler
A finalidade de ler não é guardar na memória. Eu esqueço-me do que leio mas encontro-me, ao cair da noite, com ele. O fundamento da minha leitura é a pergunta seguinte:
"Por quanto tempo lês um pequeno período extenso?"
Por um segundo, um minuto, um ano, toda esta noite, ou toda esta vida? Ler estende-se pelo tempo e quer o espaço do dia-a-dia para projectar a sua sombra. Ler estende-se por vertentes desconhecidas, e eu leio pouco, mas infinitamente. Desses metais preciosos escolho um metal, e torno-o integralmente minha estrela.
Llansol, Finita, p. 132
December 10, 2006
Poalha branca de luz
está escuro, diz Elvira,
acenda o texto, respondo-lhe
a luz começa por incidir sobre a tarefa repetitiva e silenciosa
de peneirar,
em seguida, ilumina uma mesa longa e aparentemente estreita,
desloca-se ao longo de uma parede e faz emergir desta uma
amassadeira com a sua forma piramidal invertida,
que Elvira reconhece sem dificuldade por já a ter visto em
fotografia;
(...)
peneirar é como fotografar? diz, é táctil,
é odorífero como escrever, acrescento à sua meditação, peço
ao texto que se sente a meu lado, Sossego deixa o punho de
Elvira e, num mesmo olhar, vêmo-la concentrar-se numa espécie
ampla de trabalho, respira concentração, em todo o seu
corpo é visível que materializa em imagens cada objecto, cada
ferramenta do pequeno compartimento que se enche de
poalha branca,
desde o gesto monótono de peneirar, que separa as sombras da
luz,
até à peneira como instrumento óptico,
um prisma que embala com as próprias mãos
(...)
o ente criado, na parte velada do corpo de Elvira, é texto
o seu punho está, de facto, cansado e dorido, peneirar é cansativo,
é uma dor que passa pelos punhos
(...)
mas, quando Elvira imprime um movimento circular vertiginoso
em que a poeira da farinha se levanta, faz-se um silêncio
profundo no próprio texto (...)
que tece os sentidos,
tricota-os às partes visíveis do corpo, que são tão poucas e im-
potentes, e ouve
distintamente esse ente que passa para a levar,
Elvira, não sabemos qual o poder do corpo
Llansol, Onde Vais, Drama-Poesia? , pp. 274-278
está escuro, diz Elvira,
acenda o texto, respondo-lhe
a luz começa por incidir sobre a tarefa repetitiva e silenciosa
de peneirar,
em seguida, ilumina uma mesa longa e aparentemente estreita,
desloca-se ao longo de uma parede e faz emergir desta uma
amassadeira com a sua forma piramidal invertida,
que Elvira reconhece sem dificuldade por já a ter visto em
fotografia;
(...)
peneirar é como fotografar? diz, é táctil,
é odorífero como escrever, acrescento à sua meditação, peço
ao texto que se sente a meu lado, Sossego deixa o punho de
Elvira e, num mesmo olhar, vêmo-la concentrar-se numa espécie
ampla de trabalho, respira concentração, em todo o seu
corpo é visível que materializa em imagens cada objecto, cada
ferramenta do pequeno compartimento que se enche de
poalha branca,
desde o gesto monótono de peneirar, que separa as sombras da
luz,
até à peneira como instrumento óptico,
um prisma que embala com as próprias mãos
(...)
o ente criado, na parte velada do corpo de Elvira, é texto
o seu punho está, de facto, cansado e dorido, peneirar é cansativo,
é uma dor que passa pelos punhos
(...)
mas, quando Elvira imprime um movimento circular vertiginoso
em que a poeira da farinha se levanta, faz-se um silêncio
profundo no próprio texto (...)
que tece os sentidos,
tricota-os às partes visíveis do corpo, que são tão poucas e im-
potentes, e ouve
distintamente esse ente que passa para a levar,
Elvira, não sabemos qual o poder do corpo
Llansol, Onde Vais, Drama-Poesia? , pp. 274-278
December 9, 2006
December 3, 2006
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