March 12, 2008

Instantes de luz


CVIII. outra sombra

_____ me encanta essa luz sobre a toalha de leitura

Llansol, Amigo e Amiga, p. 153

March 6, 2008

Aos Fiéis do Amor


Melissa, a guardiã

Lá fora, o dia fizera também a sua passagem. A noite dera lugar à manhã, a luz entrava no quarto. Na cama onde sempre sonhavas, escrevias agora o teu último sonho. Sentei-me na pequeníssima cadeira de criança, madeira pintada de vermelho e sol, e reuni à minha volta duas Damas do Amor Completo, as duas mulheres que eram há muito os dois lados do teu corpo.

Só agora vislumbro a cena fulgor, quase bíblica, que teve lugar.

Desejei ser a voz dos teus legentes, reuni-los em mais um encontro inesperado do diverso. Desejei que se sentissem convocados para a leitura, que viessem, como sempre, em busca da troca verdadeira.

Li para ti, Maria Gabriela, e para as árvores de Sintra, para Témia e Jade, para A. Nómada e o Menino literatura, para a Senhora decepada, para Ana e Myriam, para Bach e Aossê, Spinoza e Melissa, para todos os que a meu lado se dispunham a ouvir.



Era Parasceve, estávamos contigo À Beira do Rio da Escrita _____
Li as tuas palavras, em voz alta, como tantas vezes me pedias:



Façamos o que podemos fazer juntos, neste momento. Agora, que te dei as minhas imagens, procurando encontrar o seu ritmo... estou apenas nas tuas mãos,

Na minha voz e no meu pensamento...

Nas tuas mãos, insisto. O que ouves nas tuas mãos? Que diz a sua mão na tua?

Diz...

Por favor, ó mulher-mãe, lê alto o que ele te diz.

"Nasci no momento em que a tua boca encontrou o desejo amante do jovem jardineiro. Fui aquecido e retido por faixas cerradas de língua perfumada e, finalmente, nasci aqui, neste balouço de terra. Foi tudo tão rápido, tão inocente, fora de qualquer contexto de estadia permanente que decidi perscrutar o sucedido, onde nada acontece. O que havia, em tempos idos, para contar, tinha apodrecido, nem a memória ousava meditá-lo. Mas a memória veio sob outra forma de reconhecimento do real. Entregou-se-me totalmente para que eu a mudasse, e lhe desse um nome de pessoa virgem. Sempre me deu o sentimento de que havia um ritmo. Uma beleza inesquecível. Que a palavra era apenas uma parte da sua respiração. Era certamente o «desconhecido desconhecida» que eu viera buscar no beijo que abrira a porta da vida. Era muito forte, extremamente forte, o apelo que exerce sobre os da minha espécie, já noutro lugar."

É o que a sua mão diz na tua?

Sim, chegou a minha hora de atravessar a ponte.

Não te posso acompanhar.


As imagens soam-me no movimento do ouvido e da mão. Sou a mulher deste texto. Vou a caminho da ponte que ele me indicou e para a qual me escreveu, e de que, outrora, tive uma breve e confusa visão. Espero ter coragem. Estou a escrever-te, ó texto. Escorada no meu íntimo, respirando pelo corpo com que avanço, decido empreender, com os cinco dedos da minha mão nua, uma acção sem mescla.

Distinguir e contemplar.

Percorro com o olhar o que logo ao olhar pertence,

saio para a superfície alegre do dia de nevoeiro, verifico que não quero outro percurso até ao cais onde há ainda barcos que transportam peixes em baldes, e os soltam no mar.

Esse movimento, inverso do habitual,
pescar peixes e lançá-los ao mar,
faz-me sorrir,
tanto se parece esse movimento inverso com o ritmo que procuras, meu texto.

E volto a sentir a mão. Um Alguém-mão que vem ao meu encontro e fica comigo a conversar.

Fluxo e refluxo.
Ruído e som.
Emanação e ruah.

Que concluir quando a tua mão me diz: «Faz vento, mas só de passagem?»
De facto, nem vento faz.
É a respiração dispersa que sopra,

sento-me entre ela e a porta aberta, o rio que corre à minha frente, até chegar a hora propícia da travessia.

Sei agora, ó texto, o que meu filho me dirá.
Chamarei por ele: «Parasceve!»,
e ele dir-me-á: «Sim, mãe».



Serra de Sintra, 24 de Novembro de 2000

Serra de Sintra, 3 de Março de 2008