February 10, 2007




A Casa dos Bach


Chove torrencialmente no texto. No descampado, correm ribeiros exigentes e momentâneos. Atravessam e encharcam a rua e arrastam-na para o Elster que atravessa Leipzig, e corre apressadamente para o Elba. São informações da imaginação sobre um mapa. Sobre o texto, chove torrencialmente. (...) Fora do abrigo, só avança o silêncio da água. O texto vê-o descer do alto debruçado sobre as águas. (...) E o texto não vai escrever sereno "no princípio era o verbo"

na esperança de que tudo volte à proporção equidistante. (...) O texto avança e apaga o desenho das águas (...). Eu, que escrevo, disse ao texto é agora, a hesitação não ilude! O texto-Pégaso fincou os cascos no descampado, lançou as suas asas para proteger a casa que desenhara, abarcou com os olhos o rio cansado de excessos e escreveu, bem alto, fico aqui!, ou o silêncio da água se incorpora no rio, ou o meu desenho é uma simples metáfora.

Passaram horas, a noite caía em bátegas sem parar, cobria e prolongava, de igual modo o declive do monte por onde correm o cavalo e o rio, à beira da casa. O efeito de esperar adensa a noite, parte da muralha da cidade já soçobrou, há pontes sobre o Elster à tona de água mas, aos poucos ergue-se uma luz trémula de aurora que balbucia palavras, ainda ininteligíveis (...)


Este é o texto


que nunca se esquecera do modo como se formou a imagem da água para o seu próprio nome (...)


Llansol, Lisboaleipzig 2. O ensaio de música, pp.42-44



Jodoigne, 20 de Abril de 1975.

quando, pela primeira vez, fiquei só nesta casa de Jodoigne com o tempo imperturbável diante de mim, o espaço fragmentado por reminiscências, e os móveis que ocupavam mal os novos lugares, lembrei-me que, subterraneamente, pelo lado direito do jardim, corre um ribeiro, e que na estufa há uma velha bomba com que se tirou água.

________ «venho» a esta casa com o sentido indagador que lhe dou. Perscrutar e receber certas dobras quase gastas e apagadas de acontecimentos históricos. O
livro não é, para mim, o objecto rápido de uma leitura; dissimula
um mútuo: uma época e alguém. «J’écris pour prendre la parole au nom de mes ancêtres qui se sont tus». ________ Liliane Wouters.

mãe dos objectos, deixei propositadamente, à esquerda, a folha em branco; hoje, acordei sonhando que não vivia sozinha nesta casa, mas com um marido, e que Hadewijch era amada, e nos amava…, escrevi hoje em A Restante Vida.

Llansol, Finita, p. 29


February 8, 2007



O que o ler ensina, a vida sobre a terra esquece.

Llansol, Amigo e Amiga. curso de silêncio de 2004, p. 116

February 5, 2007



LXXIV. de que falava?

Carta:
«lendo, não se sabe do que se fala. Mas, demorando a ler, verifica que se
lê. E o que não se apreende directamente, sente-se no fulgor que emana
do sentido do sentimento.
Sensualmente, a inteligência vai buscar o seu referente. O fulgor
oscilante da leitura
que é o verso e reverso deste enigma sem nenhum mistério contundente ».


Llansol, Amigo e Amiga. curso de silêncio de 2004, p. 102


XCI. lugar universal aqui

se bem
que os alísios e o lago não se elevem acima do grande plátano — a árvore
fica presa. Contudo, seus reflexos

caminham sobre as águas,
e é por esta via que eu recebo recados e mensagens.
Como este:
«Não te esqueças de voltar a ler o que já perdeste, pois no reler é
que está a frescura e, na reacção, a resistência humana.»
(...)
Llansol, Amigo e Amiga. curso de silêncio de 2004, 127




February 4, 2007


SANDRA GUINLE - Brasil

pulando corda

currupio



carrapichinho




menino e pipa

casal iluminado



35
Apesar de ele ter decidido não compreender, ela
Persistia em explicar-lhe por que lia a Gabriela Llansol ___
«É a casa que ensina a ler (pausa) imagina um extraordinário
Atractivo para o amor (pausa) o livro fala (pausa)
Procura a página que te fala (pausa) são da substância
Dos beijos e da boca (pausa) sentam-se à mesa
Num estético convívio (pausa) a sua liberdade
É tal que, se as folhas se partem, regressam por si sós
Ao ponto de partida e juntam-se, esperando (pausa) são
Pombas somente ligadas por uma fita de voo (pausa)
Não vês?» (continua)

Llansol, O Começo de Um Livro é Precioso


149

Um bule de chá Príncipe emerge das prateleiras
Do armário. Sua presença é esperar. Para lá da coisa,
Há Alguém _____ forma e cor, ou seja, santidade. Sua
Beleza emana de uma flor de contrários que paira.
Há uma leitura a fazer, na jarra e em todos os lugares
Da falha. Nesse caminho a descobrir que não finda,
O texto escreve-se nos olhos. A qualidade da imagem
Nua dispõe o real em consequência.

Llansol, O Começo de Um Livro é Precioso