January 2, 2008

Encontros

As cores

Havia no nosso jardim um pavilhão abandonado e carcomido. Eu gostava dele por causa das janelas coloridas. Quando, lá dentro, ia passando a mão de vidro em vidro, transformava-me; ganhava a cor da paisagem que via na janela, ora flamejante, ora empoeirada, agora mortiça, depois luxuriante. Sentia-me como quando pintava a aguarela e as coisas se me abriam assim que eu as acometia numa nuvem húmida. O mesmo acontecia com as bolas de sabão. Eu viajava dentro delas pela sala e juntava-me ao jogo de cores das cúpulas até elas se desfazerem. Olhando para o céu, para uma jóia ou para um livro, perdia-me nas cores. As crianças são suas presas fáceis por todos os caminhos. Naquele tempo podiam comprar-se chocolates em pacotinhos dispostos em cruz e com cada tablette embrulhada num papel de prata de cor diferente. A pequena obra, segura por um fio grosso dourado, reluzia em tons de verde e ouro, azul e laranja, vermelho e prata; e nunca havia duas cores iguais lado a lado. Desta paliçada brilhante saltaram um dia as cores para os meus olhos, e ainda hoje sinto a doçura que nessa altura os saciou. Era a doçura do chocolate que fazia as cores desfazerem-se-me mais no coração do que na língua. Pois antes que eu sucumbisse às tentações da guloseima, já o sentido superior tinha suplantado de um golpe o inferior, arrebatando-me.

Walter Benjamin, Imagens de Pensamento, p. 113



Continuo a pensar que a beleza da forma e da cor é a santidade das coisas.

Llansol, O Senhor de Herbais, p.48